Simples e preciso: somos
ignorantes. Pra muitas coisas, somos simplesmente ignorantes.
Pena que a maioria parece
não reconhecer isso. Uma geração que entende pouco de muitas coisas, mas que
fala de praticamente tudo com uma certeza e propriedade dignas de PhD. Se
somos ignorantes e não admitimos isso, como mudar? Como mudar o que não se
reconhece como fato e/ou que não se apresenta ao indivíduo como problema?
Parece-me que tem rareado os tipos de pessoas e vivências com espírito forte e
leve o suficiente pra reconhecer com honestidade a própria ignorância. Por
consequência, reconhecer o desconhecimento de N coisas também é reconhecer o
próprio saber. É aquele paradoxo... Quando vislumbramos o quanto não sabemos,
também temos noção até onde, pelo menos dentro do nosso universo de formação,
temos sim propriedade pra falar. Uma linha tênue. De qualquer forma, em
qualquer idade, acho que a fase dos "por quês?" e "será?"
nunca deveria ser considerada superada.
Que uma educação precária
e a ausência de uma educação política e cultural complexa são um problema
estrutural de longa data não há o que contradizer, creio eu. E falo de toda
nossa estrutura educacional pública, privada de nível básico, médio e superior.
São raras, mas raríssimas exceções de modelos pedagógicos que colocam em
prática com sucesso uma formação mais ampla do indivíduo.
Se é sabido que nossa
formação educacional é parcial e limitada, até que ponto é nossa
responsabilidade nos mantermos ou não estagnados num baixo nível cultural,
baixo nível de conhecimento politico, social, histórico, filosófico, artístico,
etc? Bom, numa sociedade tão virtual, com excesso de informação, muita coisa
está disponível, muita coisa está à espera da boa vontade, da paciência e
principalmente do tempo de leitura e priorização de interesses pra
pesquisa/estudo sério. Só a questão do trato do tempo na sociedade atual merece
todo “um capítulo” à parte. Ainda quando há esse tempo/interesse, o discernimento
pra confiabilidade ou não das fontes e a capacidade de separar opinião de dados
concretos depende também dessa formação educacional, que claro, não se dá
somente entre os muros da escola. A relação entre educação formal e não formal,
formação social e participação política é de fato complexa, com muitas perspectivas.
Um assunto rico pra estudo. Mas voltando ao que cabe de análise aqui, pra esse
espaço e tema¹: muito desse possível interesse de pesquisa independente também
é atravessado por essa incapacidade em reconhecer a própria ignorância. Como
vemos em clichês por aí: tem muita gente com muita certeza de tudo e poucas
pessoas pra questionar. E o questionamento, a pergunta certa, é o ponto de
partida pra uma sequência de respostas e novas perguntas. Perguntas tendenciosas
e/ou parciais resultarão em respostas tendenciosas e/ou parciais, portanto, nem
todo tempo gasto em determinado interesse vai necessariamente resultar em um
estudo autônomo produtivo. Em suma, um déficit educacional – mais uma vez:
entrelaçado por diversas razões que não só a escola - claramente interfere na
qualidade da pesquisa. E isso significa então que devemos abrir mão do estudo
autodidata ou desvalorizar o conhecimento não acadêmico? De forma alguma!! Como
abrir mão da especulação, algo tão natural do ser humano, somente porque
inicialmente a educação é falha e isso se acumula em efeito cascata mais
adiante? Não há como, mas creio que uma mistura de menos ego e mais curiosidade
sanaria ou diminuiria muitos desses revezes. O básico: todo conhecimento é
parcial e temporário, então falar em manter a mente aberta para novas
perspectivas soa meio hippie, mas por muitas razões, creio que isso esteja
faltando pra elevar o nível da sociedade no quesito “responsabilidade individual
diante da própria educação”.
No que concerne à formação
do indivíduo para a participação política/social, é válido ver na “participação
on demand” um possível fenômeno de consumo positivo, pois a política como “produto
a ser consumido acaba se inserindo na vida das pessoas ou na cartela de outros
produtos". A política também é feita dessa perspectiva individual que as
pessoas têm sobre suas necessidades e demandas. Cada sujeito carrega sua carga
subjetiva quando se posiciona politicamente, mas vendo a política também como
prática necessariamente coletiva fico com o pé atrás com essa relação que
equipara política a um produto de consumo. A relação que se estabelece entre consumidor
e produto consumido tende a ser uma relação estritamente particular, de
satisfação de prazeres e expectativas estritamente individuais - o que não
chega a ser algo necessariamente negativo. Como disse, a perspectiva subjetiva
também faz parte de como o sujeito se insere na sociedade -, mas me parece que tem despontado pra uma defesa
irracional e muito mal fundamentada dos valores do liberalismo, ou seja, o
individualismo exacerbado, o individualismo que rivaliza e prejudica a
sociedade em sua característica mais profunda: a coletividade. O que dialeticamente
prejudica os próprios indivíduos.
Infelizmente, o que vejo é
uma maioria de gente ignorante, mas cheia de certezas. O facebook, toda rede
social, está recheada dos comentaristas, dos críticos, dos “especialistas” para
toda área, mas especialmente pra área de humanidades (o terreno do “achometro”
por excelência). Veem-se bizarrices como os termos
"Anarcocapitalismo" (defesa de uma espécie de liberalismo extremo) e
críticas ao nazismo/fascismo, mas somente pela crença (crença porque isso não
pode ser considerado fato) de que essas práticas políticas foram encabeçadas
por movimentos de esquerda. Essas coisas são cunhadas em nível de teoria social
e teoria histórica por certo público e isso é grave! É o pior resultado da
mistura entre baixa formação educacional, especulação e incapacidade de lidar
com um mundo de perspectivas não binárias. Pessoas que “argumentam” nesse
sentido estão tão imbuídas de suas verdades que negam fatos históricos básicos
e ignoram a própria incoerência dos termos que usam. Mais uma vez, perguntas
tendenciosas e/ou parciais resultarão em respostas tendenciosas e/ou parciais e
isso em meio a uma sociedade egocêntrica como a nossa, tem se mostrado uma
mistura bem problemática. Isso só pra ficar nos exemplos mais absurdos porque
até mesmo dentro da esquerda e de diversos movimentos sociais a incoerência tem
seu espaço.
A ampla troca de
informações pela internet poderia (e pode) ser usada para o crescimento pessoal
e social, pra disseminação cultural rica e complexa. A potencialidade da
internet como agregadora, difusora de informações e como meio pro autodidatismo
é incrível, mas apesar de todo esse lado positivo continua resvalando na baixeza.
Grande parte da sociedade mundial (portanto esse problema não é só uma
jabuticaba, não é só do Brasil), por meio da internet, democratizou com sucesso
a ignorância, a incoerência e a desonestidade intelectual. Grupos de
"discussão" (maioria das vezes são só grupos de barraco mesmo) vão se
proliferando pelas redes sociais e seriam bons, ótimos, não fosse todo esse
plano de fundo, além desse "detalhe" do pouco ou nenhum
aprofundamento em fontes sérias (!) e a falta de reflexão pra além do “achometro”.
É triste, mas a grande maioria dos comentadores de internet, dos atuais “especialistas”
de facebook em política, história e filosofia são verdadeiros disseminadores de
ignorância, personas de muito ego, muita certeza, poucas dúvidas e uma necessidade
atroz de autoafirmação. Eu realmente gostaria de me colocar com mais otimismo
diante de tudo, mas me persegue essa impressão de que historicamente as
sociedades tem se limitado a uma sucessão de potencialidades e possibilidades não
alcançadas. Frustrante. Enfim, eu escrevi bastante, mas o Lulu Santos resumiu poeticamente
muito bem. São realmente “passos de formiga e sem vontade”.
1.
Tema
proposto por um comentário feito na postagem Participação on demand.