sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Somos ignorantes

Simples e preciso: somos ignorantes. Pra muitas coisas, somos simplesmente ignorantes.
Pena que a maioria parece não reconhecer isso. Uma geração que entende pouco de muitas coisas, mas que fala de praticamente tudo com uma certeza e propriedade dignas de PhD. Se somos ignorantes e não admitimos isso, como mudar? Como mudar o que não se reconhece como fato e/ou que não se apresenta ao indivíduo como problema? Parece-me que tem rareado os tipos de pessoas e vivências com espírito forte e leve o suficiente pra reconhecer com honestidade a própria ignorância. Por consequência, reconhecer o desconhecimento de N coisas também é reconhecer o próprio saber. É aquele paradoxo... Quando vislumbramos o quanto não sabemos, também temos noção até onde, pelo menos dentro do nosso universo de formação, temos sim propriedade pra falar. Uma linha tênue. De qualquer forma, em qualquer idade, acho que a fase dos "por quês?" e "será?" nunca deveria ser considerada superada.
Que uma educação precária e a ausência de uma educação política e cultural complexa são um problema estrutural de longa data não há o que contradizer, creio eu. E falo de toda nossa estrutura educacional pública, privada de nível básico, médio e superior. São raras, mas raríssimas exceções de modelos pedagógicos que colocam em prática com sucesso uma formação mais ampla do indivíduo.
Se é sabido que nossa formação educacional é parcial e limitada, até que ponto é nossa responsabilidade nos mantermos ou não estagnados num baixo nível cultural, baixo nível de conhecimento politico, social, histórico, filosófico, artístico, etc? Bom, numa sociedade tão virtual, com excesso de informação, muita coisa está disponível, muita coisa está à espera da boa vontade, da paciência e principalmente do tempo de leitura e priorização de interesses pra pesquisa/estudo sério. Só a questão do trato do tempo na sociedade atual merece todo “um capítulo” à parte. Ainda quando há esse tempo/interesse, o discernimento pra confiabilidade ou não das fontes e a capacidade de separar opinião de dados concretos depende também dessa formação educacional, que claro, não se dá somente entre os muros da escola. A relação entre educação formal e não formal, formação social e participação política é de fato complexa, com muitas perspectivas. Um assunto rico pra estudo. Mas voltando ao que cabe de análise aqui, pra esse espaço e tema¹: muito desse possível interesse de pesquisa independente também é atravessado por essa incapacidade em reconhecer a própria ignorância. Como vemos em clichês por aí: tem muita gente com muita certeza de tudo e poucas pessoas pra questionar. E o questionamento, a pergunta certa, é o ponto de partida pra uma sequência de respostas e novas perguntas. Perguntas tendenciosas e/ou parciais resultarão em respostas tendenciosas e/ou parciais, portanto, nem todo tempo gasto em determinado interesse vai necessariamente resultar em um estudo autônomo produtivo. Em suma, um déficit educacional – mais uma vez: entrelaçado por diversas razões que não só a escola - claramente interfere na qualidade da pesquisa. E isso significa então que devemos abrir mão do estudo autodidata ou desvalorizar o conhecimento não acadêmico? De forma alguma!! Como abrir mão da especulação, algo tão natural do ser humano, somente porque inicialmente a educação é falha e isso se acumula em efeito cascata mais adiante? Não há como, mas creio que uma mistura de menos ego e mais curiosidade sanaria ou diminuiria muitos desses revezes. O básico: todo conhecimento é parcial e temporário, então falar em manter a mente aberta para novas perspectivas soa meio hippie, mas por muitas razões, creio que isso esteja faltando pra elevar o nível da sociedade no quesito “responsabilidade individual diante da própria educação”.
No que concerne à formação do indivíduo para a participação política/social, é válido ver na “participação on demand” um possível fenômeno de consumo positivo, pois a política como “produto a ser consumido acaba se inserindo na vida das pessoas ou na cartela de outros produtos". A política também é feita dessa perspectiva individual que as pessoas têm sobre suas necessidades e demandas. Cada sujeito carrega sua carga subjetiva quando se posiciona politicamente, mas vendo a política também como prática necessariamente coletiva fico com o pé atrás com essa relação que equipara política a um produto de consumo. A relação que se estabelece entre consumidor e produto consumido tende a ser uma relação estritamente particular, de satisfação de prazeres e expectativas estritamente individuais - o que não chega a ser algo necessariamente negativo. Como disse, a perspectiva subjetiva também faz parte de como o sujeito se insere na sociedade -, mas  me parece que tem despontado pra uma defesa irracional e muito mal fundamentada dos valores do liberalismo, ou seja, o individualismo exacerbado, o individualismo que rivaliza e prejudica a sociedade em sua característica mais profunda: a coletividade. O que dialeticamente prejudica os próprios indivíduos.
Infelizmente, o que vejo é uma maioria de gente ignorante, mas cheia de certezas. O facebook, toda rede social, está recheada dos comentaristas, dos críticos, dos “especialistas” para toda área, mas especialmente pra área de humanidades (o terreno do “achometro” por excelência). Veem-se bizarrices como os termos "Anarcocapitalismo" (defesa de uma espécie de liberalismo extremo) e críticas ao nazismo/fascismo, mas somente pela crença (crença porque isso não pode ser considerado fato) de que essas práticas políticas foram encabeçadas por movimentos de esquerda. Essas coisas são cunhadas em nível de teoria social e teoria histórica por certo público e isso é grave! É o pior resultado da mistura entre baixa formação educacional, especulação e incapacidade de lidar com um mundo de perspectivas não binárias. Pessoas que “argumentam” nesse sentido estão tão imbuídas de suas verdades que negam fatos históricos básicos e ignoram a própria incoerência dos termos que usam. Mais uma vez, perguntas tendenciosas e/ou parciais resultarão em respostas tendenciosas e/ou parciais e isso em meio a uma sociedade egocêntrica como a nossa, tem se mostrado uma mistura bem problemática. Isso só pra ficar nos exemplos mais absurdos porque até mesmo dentro da esquerda e de diversos movimentos sociais a incoerência tem seu espaço.
A ampla troca de informações pela internet poderia (e pode) ser usada para o crescimento pessoal e social, pra disseminação cultural rica e complexa. A potencialidade da internet como agregadora, difusora de informações e como meio pro autodidatismo é incrível, mas apesar de todo esse lado positivo continua resvalando na baixeza. Grande parte da sociedade mundial (portanto esse problema não é só uma jabuticaba, não é só do Brasil), por meio da internet, democratizou com sucesso a ignorância, a incoerência e a desonestidade intelectual. Grupos de "discussão" (maioria das vezes são só grupos de barraco mesmo) vão se proliferando pelas redes sociais e seriam bons, ótimos, não fosse todo esse plano de fundo, além desse "detalhe" do pouco ou nenhum aprofundamento em fontes sérias (!) e a falta de reflexão pra além do “achometro”. É triste, mas a grande maioria dos comentadores de internet, dos atuais “especialistas” de facebook em política, história e filosofia são verdadeiros disseminadores de ignorância, personas de muito ego, muita certeza, poucas dúvidas e uma necessidade atroz de autoafirmação. Eu realmente gostaria de me colocar com mais otimismo diante de tudo, mas me persegue essa impressão de que historicamente as sociedades tem se limitado a uma sucessão de potencialidades e possibilidades não alcançadas. Frustrante. Enfim, eu escrevi bastante, mas o Lulu Santos resumiu poeticamente muito bem. São realmente “passos de formiga e sem vontade”.


1.            Tema proposto por um comentário feito na postagem Participação on demand.



Um comentário:

  1. Sim, somos ignorantes...néscios plenos de (des) informação.
    Adorei o texto!
    Parabéns pela reflexão

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Respeito e educação em primeiro lugar.
Feito isso, agradeço o comentário.