quinta-feira, 2 de julho de 2015

Lei de Pitágoras

Hoje o canal Sony exibiu duas vezes o filme A gangue está em campo (Gridiron Gang, 2006). História sobre o desenvolvimento de um time de futebol americano dentro de uma prisão juvenil em meio as tretas de gangue. O time foi criado por iniciativa de um professor, que pesquisando, viu a possibilidade de recuperar/reeducar/ressocializar os jovens por meio da prática esportiva. Menciona dados sobre iniciativas semelhantes onde a NÃO reincidência criminal aumentou pra 75%.

Diante de resistências o prof. disse:
- O nosso sistema é uma piada! O que temos a perder? Se o possível não está funcionando precisamos tentar o impossível!

Não ganharam o campeonato, mas a maioria também não retornou para o crime. A parte boa é que é uma ficção baseada numa história real, com depoimentos reais no fim. Lembraram muito os depoimentos que li dos jovens internos, da então Febem, depois que frequentaram as aulas de música do ‪ProjetoGuri‬. "A música me salvou", "a música agora é tudo pra mim", "quero sair daqui e entrar numa orquestra, ter uma banda", "quero ser técnico em computação, mas a música não vai me abandonar", etc.

A mudança de conduta e de perspectiva que acontece nos indivíduos quando se apresenta uma alternativa, que não seja a vida no crime, que cresceram assistindo, é incrível! É a realização do "impossível". Imagina só (!) se tudo isso se apresentasse seriamente desde o início na escola e/ou num projeto o quanto essa % não aumentaria! Imagina só se o sistema prisional também não fosse corretamente conhecido como "faculdade do crime"...

Assistam o filme aí. Roteiro de sessão da tarde, padrão da jornada do herói. Clichê sobre a vida em periferia americana, com dificuldades e soluções conhecidas, mas raramente aplicadas a vida real. Essa linha difusa na ficção é mesmo curiosa... E que programação propícia no canal, hein?!



terça-feira, 3 de março de 2015

Ser boçal é legal

Então é isso, galera: ser boçal é legal!!!
Ser incoerente também. Altruísmo? Empatia? Generosidade? Palavras bonitas que não se traduzem em atitudes. Honestidade intelectual não ganha confete, não tem "like", não paga as contas. Hipocrisia ninguém percebe também. Tá na normalidade.
Ai se ouve "hoje em dia tudo é machismo, tudo é racismo, tudo é homofobia. Nem dá mais pra falar nada, não dá mais pra fazer piada..." Se ser babaca é ok eu prefiro ser sem graça, sem humor, ser grossa e não simular falsa simpatia diante de chorume vomitado.
Usar e reproduzir toda merda social pra se fazer dinheiro também é super cool: faz umas camisetas aí! Vende uns shows standp up "comedy" ali! Põe o miserável pra chorar na tv, faça a pior "piada" e seja aplaudido, reverenciado.
Confesse um crime ou dois, no Big Brother ou no Agora é Tarde. Ser boçal gera polêmica e dá ibope! Ibope dá dinheiro e foda-se qualquer coisa porque pagando bem que mal tem, não é?! Não há ética no capitalismo, então vai na onda.
Vivemos a barbárie e parece que pra maioria está ok. É o "modus operandi" padrão.


Bibliografia básica pra contextualizar a imbecilidade:

Blogueira do Brasil Post é perseguida e ameaçada após publicar texto contra machismo: http://migre.me/oRHl6
Em rede nacional, Frota confessa estupro e povo aplaude:http://migre.me/oRHjT
'Vem ni mim que to facim' vira estampa de camiseta infantil da grife de Luciano Huck: http://migre.me/oRHBc
PM de SP bate recorde de mortes e não reduz crimes:http://migre.me/oRI5G
A boçalidade do mal: http://migre.me/oRI03
Um exército evangélico em formação: http://migre.me/oRHMp
A cara de pau de Eduardo Cunha: http://migre.me/oRHoB
Eduardo Cunha promete lutar pelos 'princípios da igreja evangélica' no Congresso: http://migre.me/oRHhV
Eduardo Cunha entrega comunicação da Câmara para bancada evangélica: http://migre.me/oRHf0

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Somos ignorantes

Simples e preciso: somos ignorantes. Pra muitas coisas, somos simplesmente ignorantes.
Pena que a maioria parece não reconhecer isso. Uma geração que entende pouco de muitas coisas, mas que fala de praticamente tudo com uma certeza e propriedade dignas de PhD. Se somos ignorantes e não admitimos isso, como mudar? Como mudar o que não se reconhece como fato e/ou que não se apresenta ao indivíduo como problema? Parece-me que tem rareado os tipos de pessoas e vivências com espírito forte e leve o suficiente pra reconhecer com honestidade a própria ignorância. Por consequência, reconhecer o desconhecimento de N coisas também é reconhecer o próprio saber. É aquele paradoxo... Quando vislumbramos o quanto não sabemos, também temos noção até onde, pelo menos dentro do nosso universo de formação, temos sim propriedade pra falar. Uma linha tênue. De qualquer forma, em qualquer idade, acho que a fase dos "por quês?" e "será?" nunca deveria ser considerada superada.
Que uma educação precária e a ausência de uma educação política e cultural complexa são um problema estrutural de longa data não há o que contradizer, creio eu. E falo de toda nossa estrutura educacional pública, privada de nível básico, médio e superior. São raras, mas raríssimas exceções de modelos pedagógicos que colocam em prática com sucesso uma formação mais ampla do indivíduo.
Se é sabido que nossa formação educacional é parcial e limitada, até que ponto é nossa responsabilidade nos mantermos ou não estagnados num baixo nível cultural, baixo nível de conhecimento politico, social, histórico, filosófico, artístico, etc? Bom, numa sociedade tão virtual, com excesso de informação, muita coisa está disponível, muita coisa está à espera da boa vontade, da paciência e principalmente do tempo de leitura e priorização de interesses pra pesquisa/estudo sério. Só a questão do trato do tempo na sociedade atual merece todo “um capítulo” à parte. Ainda quando há esse tempo/interesse, o discernimento pra confiabilidade ou não das fontes e a capacidade de separar opinião de dados concretos depende também dessa formação educacional, que claro, não se dá somente entre os muros da escola. A relação entre educação formal e não formal, formação social e participação política é de fato complexa, com muitas perspectivas. Um assunto rico pra estudo. Mas voltando ao que cabe de análise aqui, pra esse espaço e tema¹: muito desse possível interesse de pesquisa independente também é atravessado por essa incapacidade em reconhecer a própria ignorância. Como vemos em clichês por aí: tem muita gente com muita certeza de tudo e poucas pessoas pra questionar. E o questionamento, a pergunta certa, é o ponto de partida pra uma sequência de respostas e novas perguntas. Perguntas tendenciosas e/ou parciais resultarão em respostas tendenciosas e/ou parciais, portanto, nem todo tempo gasto em determinado interesse vai necessariamente resultar em um estudo autônomo produtivo. Em suma, um déficit educacional – mais uma vez: entrelaçado por diversas razões que não só a escola - claramente interfere na qualidade da pesquisa. E isso significa então que devemos abrir mão do estudo autodidata ou desvalorizar o conhecimento não acadêmico? De forma alguma!! Como abrir mão da especulação, algo tão natural do ser humano, somente porque inicialmente a educação é falha e isso se acumula em efeito cascata mais adiante? Não há como, mas creio que uma mistura de menos ego e mais curiosidade sanaria ou diminuiria muitos desses revezes. O básico: todo conhecimento é parcial e temporário, então falar em manter a mente aberta para novas perspectivas soa meio hippie, mas por muitas razões, creio que isso esteja faltando pra elevar o nível da sociedade no quesito “responsabilidade individual diante da própria educação”.
No que concerne à formação do indivíduo para a participação política/social, é válido ver na “participação on demand” um possível fenômeno de consumo positivo, pois a política como “produto a ser consumido acaba se inserindo na vida das pessoas ou na cartela de outros produtos". A política também é feita dessa perspectiva individual que as pessoas têm sobre suas necessidades e demandas. Cada sujeito carrega sua carga subjetiva quando se posiciona politicamente, mas vendo a política também como prática necessariamente coletiva fico com o pé atrás com essa relação que equipara política a um produto de consumo. A relação que se estabelece entre consumidor e produto consumido tende a ser uma relação estritamente particular, de satisfação de prazeres e expectativas estritamente individuais - o que não chega a ser algo necessariamente negativo. Como disse, a perspectiva subjetiva também faz parte de como o sujeito se insere na sociedade -, mas  me parece que tem despontado pra uma defesa irracional e muito mal fundamentada dos valores do liberalismo, ou seja, o individualismo exacerbado, o individualismo que rivaliza e prejudica a sociedade em sua característica mais profunda: a coletividade. O que dialeticamente prejudica os próprios indivíduos.
Infelizmente, o que vejo é uma maioria de gente ignorante, mas cheia de certezas. O facebook, toda rede social, está recheada dos comentaristas, dos críticos, dos “especialistas” para toda área, mas especialmente pra área de humanidades (o terreno do “achometro” por excelência). Veem-se bizarrices como os termos "Anarcocapitalismo" (defesa de uma espécie de liberalismo extremo) e críticas ao nazismo/fascismo, mas somente pela crença (crença porque isso não pode ser considerado fato) de que essas práticas políticas foram encabeçadas por movimentos de esquerda. Essas coisas são cunhadas em nível de teoria social e teoria histórica por certo público e isso é grave! É o pior resultado da mistura entre baixa formação educacional, especulação e incapacidade de lidar com um mundo de perspectivas não binárias. Pessoas que “argumentam” nesse sentido estão tão imbuídas de suas verdades que negam fatos históricos básicos e ignoram a própria incoerência dos termos que usam. Mais uma vez, perguntas tendenciosas e/ou parciais resultarão em respostas tendenciosas e/ou parciais e isso em meio a uma sociedade egocêntrica como a nossa, tem se mostrado uma mistura bem problemática. Isso só pra ficar nos exemplos mais absurdos porque até mesmo dentro da esquerda e de diversos movimentos sociais a incoerência tem seu espaço.
A ampla troca de informações pela internet poderia (e pode) ser usada para o crescimento pessoal e social, pra disseminação cultural rica e complexa. A potencialidade da internet como agregadora, difusora de informações e como meio pro autodidatismo é incrível, mas apesar de todo esse lado positivo continua resvalando na baixeza. Grande parte da sociedade mundial (portanto esse problema não é só uma jabuticaba, não é só do Brasil), por meio da internet, democratizou com sucesso a ignorância, a incoerência e a desonestidade intelectual. Grupos de "discussão" (maioria das vezes são só grupos de barraco mesmo) vão se proliferando pelas redes sociais e seriam bons, ótimos, não fosse todo esse plano de fundo, além desse "detalhe" do pouco ou nenhum aprofundamento em fontes sérias (!) e a falta de reflexão pra além do “achometro”. É triste, mas a grande maioria dos comentadores de internet, dos atuais “especialistas” de facebook em política, história e filosofia são verdadeiros disseminadores de ignorância, personas de muito ego, muita certeza, poucas dúvidas e uma necessidade atroz de autoafirmação. Eu realmente gostaria de me colocar com mais otimismo diante de tudo, mas me persegue essa impressão de que historicamente as sociedades tem se limitado a uma sucessão de potencialidades e possibilidades não alcançadas. Frustrante. Enfim, eu escrevi bastante, mas o Lulu Santos resumiu poeticamente muito bem. São realmente “passos de formiga e sem vontade”.


1.            Tema proposto por um comentário feito na postagem Participação on demand.



sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Participação on demand

Preocupa-me o que parte da população brasileira entende por democracia representativa, o sistema pelo qual se organiza nossa política. Democracia representativa, grosso modo, é isso: eleição de alguém que um individuo ou um grupo julgam ser capaz de representar, de ser porta-voz das demandas desses mesmos indivíduos e/ou coletivos. Elegem-se representantes para alguns níveis hierárquicos da burocracia política (executivo e legislativo), mas essas pessoas eleitas são de fato suficientes para atender as demandas de uma população? Acho que posso afirmar com segurança e sem maiores teorizações que Não.
Escolhemos e elegemos, mas esses representantes, por diversas razões, são incapazes de sanar todas as necessidades e expectativas de muitas pessoas, de muitos grupos. Por essa incapacidade, quase que sintomática dessa forma de organização política, que pessoas ou grupos não eleitos buscam formas alternativas de maior participação, afinal o processo de eleição, bem como um vestibular, exclui, por outras tantas razões, a possibilidade de parte da população de ter voz, de se candidatar e se eleger. Essa participação “alternativa” também acontece de diversas formas legais e ilegais e, a legalidade ou não de uma forma de participação direta, ou seja, não via eleição, varia conforme os valores éticos, culturais e econômicos de uma época, mas principalmente, e obviamente, conforme as leis que regulamentam isso. Portanto, mesmo numa democracia representativa é completamente normal e até mesmo saudável que pessoas se organizem em torno de pautas e cobrem de seus representantes eleitos.
Volto pra minha questão inicial: preocupa-me o que parte da população brasileira tem entendido por democracia representativa.  No plano ideal - e somente no plano ideal! - os políticos eleitos deveriam ser os representantes últimos da vontade da população, os escolhidos para reger a sociedade. Acontece que entre a prática política real e o plano ideal, tenho ouvido e lido, sob as mais diversas justificativas, um discurso que vê a representatividade, vê o processo eleitoral como meio transferência total de responsabilidade social e política. Falo especificamente do bordão “Votou em x, y ou z?? Agora aguenta!”. Como e quando o sistema eleitoral e representativo foi aceito e compreendido como suficiente em si mesmo?? Que discurso é esse que naturaliza e até mesmo prefere a anulação de responsabilidade individual diante do atual estado de coisas? Como chegamos aqui, numa situação em que se vota exatamente para não precisar se preocupar com política?? Na minha cabeça, anormal ainda é eleger e não cobrar, é eleger pra confortavelmente deixar pra outros a responsabilidade das suas necessidades. Incoerente, pra mim, é quem vota e espera cair no colo. Voto não é (ou não deveria ser) um fim em si mesmo ou uma moeda que paga o “agora lavo minhas mãos”.  Com os pés no chão, eleição pra qualquer cargo não é, nem nunca foi o fim e o único meio de um processo político.
Contraditoriamente, um recado que DEVERIA ter sido entendido das manifestações de Junho de 2013, e mais uma vez agora, é que a política representativa é falha, é insuficiente e que a população, conscientemente ou não, pediu ou mostrou que precisa de maior participação política direta pra fazer pressão e ter suas demandas postas em pauta, votadas ou ao menos levadas a sério.  Então, por uma questão de lógica e coerência, gostaria que mentalidades mudassem ou ao menos que parassem pra refletir por um momento. Que as pessoas do Brasil deixassem de ser esse pastiche de cidadão que reclama dos políticos, mas que continuam a terceirizar bovinamente sua responsabilidade pessoal na fé de que exista essa figura ideal e única do representante salvador da pátria que vai “colocar ordem nisso tudo aí”. Que parassem de colocar voto em candidato X, Y ou Z como carta branca a passividade. Se não isso, que então se limitem a aceitar o que vier pela lei do Quem cala consente (e sim, pra uns poucos o “quem cala consente”, o “deixa como está” é muito confortável e lucrativo).
Contraditoriamente, mais uma vez, esses são os mesmos brasileiros que elegem o legislativo mais conservador desde 1964 e ao mesmo tempo dizem que político nenhum presta, que eles só atuam por interesse próprio, mas ainda tem espaço pra mais contradição quando esses brasileiros são os primeiros a acreditar na voz da autoridade política, no seu “dotô” da bancada ou da revista, quando esse desabona por completo qualquer iniciativa/projeto que  vislumbre a maior participação direta da sociedade. Ler projeto de lei original pra formar opinião própria está fora de cogitação seja por falta de tempo ou excesso de convicção. E por fim, também reclamam de quem foi protestar na rua, afinal, protesto e participação de verdade são só na urna. Ou não?! Brasileiro é essa coisa engraçadinha de tão profundamente contraditória. Uma gente com crise de identidade que não sabe se é cidadão ou consumidor por demanda a cada quatro anos. Democracia e participação on demand é a onda.