sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Participação on demand

Preocupa-me o que parte da população brasileira entende por democracia representativa, o sistema pelo qual se organiza nossa política. Democracia representativa, grosso modo, é isso: eleição de alguém que um individuo ou um grupo julgam ser capaz de representar, de ser porta-voz das demandas desses mesmos indivíduos e/ou coletivos. Elegem-se representantes para alguns níveis hierárquicos da burocracia política (executivo e legislativo), mas essas pessoas eleitas são de fato suficientes para atender as demandas de uma população? Acho que posso afirmar com segurança e sem maiores teorizações que Não.
Escolhemos e elegemos, mas esses representantes, por diversas razões, são incapazes de sanar todas as necessidades e expectativas de muitas pessoas, de muitos grupos. Por essa incapacidade, quase que sintomática dessa forma de organização política, que pessoas ou grupos não eleitos buscam formas alternativas de maior participação, afinal o processo de eleição, bem como um vestibular, exclui, por outras tantas razões, a possibilidade de parte da população de ter voz, de se candidatar e se eleger. Essa participação “alternativa” também acontece de diversas formas legais e ilegais e, a legalidade ou não de uma forma de participação direta, ou seja, não via eleição, varia conforme os valores éticos, culturais e econômicos de uma época, mas principalmente, e obviamente, conforme as leis que regulamentam isso. Portanto, mesmo numa democracia representativa é completamente normal e até mesmo saudável que pessoas se organizem em torno de pautas e cobrem de seus representantes eleitos.
Volto pra minha questão inicial: preocupa-me o que parte da população brasileira tem entendido por democracia representativa.  No plano ideal - e somente no plano ideal! - os políticos eleitos deveriam ser os representantes últimos da vontade da população, os escolhidos para reger a sociedade. Acontece que entre a prática política real e o plano ideal, tenho ouvido e lido, sob as mais diversas justificativas, um discurso que vê a representatividade, vê o processo eleitoral como meio transferência total de responsabilidade social e política. Falo especificamente do bordão “Votou em x, y ou z?? Agora aguenta!”. Como e quando o sistema eleitoral e representativo foi aceito e compreendido como suficiente em si mesmo?? Que discurso é esse que naturaliza e até mesmo prefere a anulação de responsabilidade individual diante do atual estado de coisas? Como chegamos aqui, numa situação em que se vota exatamente para não precisar se preocupar com política?? Na minha cabeça, anormal ainda é eleger e não cobrar, é eleger pra confortavelmente deixar pra outros a responsabilidade das suas necessidades. Incoerente, pra mim, é quem vota e espera cair no colo. Voto não é (ou não deveria ser) um fim em si mesmo ou uma moeda que paga o “agora lavo minhas mãos”.  Com os pés no chão, eleição pra qualquer cargo não é, nem nunca foi o fim e o único meio de um processo político.
Contraditoriamente, um recado que DEVERIA ter sido entendido das manifestações de Junho de 2013, e mais uma vez agora, é que a política representativa é falha, é insuficiente e que a população, conscientemente ou não, pediu ou mostrou que precisa de maior participação política direta pra fazer pressão e ter suas demandas postas em pauta, votadas ou ao menos levadas a sério.  Então, por uma questão de lógica e coerência, gostaria que mentalidades mudassem ou ao menos que parassem pra refletir por um momento. Que as pessoas do Brasil deixassem de ser esse pastiche de cidadão que reclama dos políticos, mas que continuam a terceirizar bovinamente sua responsabilidade pessoal na fé de que exista essa figura ideal e única do representante salvador da pátria que vai “colocar ordem nisso tudo aí”. Que parassem de colocar voto em candidato X, Y ou Z como carta branca a passividade. Se não isso, que então se limitem a aceitar o que vier pela lei do Quem cala consente (e sim, pra uns poucos o “quem cala consente”, o “deixa como está” é muito confortável e lucrativo).
Contraditoriamente, mais uma vez, esses são os mesmos brasileiros que elegem o legislativo mais conservador desde 1964 e ao mesmo tempo dizem que político nenhum presta, que eles só atuam por interesse próprio, mas ainda tem espaço pra mais contradição quando esses brasileiros são os primeiros a acreditar na voz da autoridade política, no seu “dotô” da bancada ou da revista, quando esse desabona por completo qualquer iniciativa/projeto que  vislumbre a maior participação direta da sociedade. Ler projeto de lei original pra formar opinião própria está fora de cogitação seja por falta de tempo ou excesso de convicção. E por fim, também reclamam de quem foi protestar na rua, afinal, protesto e participação de verdade são só na urna. Ou não?! Brasileiro é essa coisa engraçadinha de tão profundamente contraditória. Uma gente com crise de identidade que não sabe se é cidadão ou consumidor por demanda a cada quatro anos. Democracia e participação on demand é a onda.          



2 comentários:

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  2. Participação em demanda a cada quatro anos ou de acordo com o assunto que lhe convém é realmente um ponto de análise interessante. Ainda que há algo dentro de mim que me faz relativamente otimista com o fato da política se categorizar como produto a ser consumido... porque pelo menos, desta forma, acaba se inserindo na vida das pessoas ou na cartela de outros produtos.

    Acredito que, antes disso, temos um problema de educação. Temos mesmo. Mesmo nós, que falamos com um pouco mais de segurança porque fizemos uma faculdadezinha metida à besta, não entendemos tudo que gostaríamos de entender. Temos dúvidas básicas sobre a máquina do poder, sobre quem a ocupa e como as coisas operam. Então, é aquela coisa... aos 18 vamos votar sem nunca antes ter ouvido falar sobre o que faz a pessoa em que estamos votando. Somos cobrados para sermos "cidadãos" sem saber o que é cidadania, para seguirmos as leis sem nunca ter passado pela leitura ou explicação da constituição e a votarmos e estarmos por dentro da política sem ter passado por esse processo de aproximação na escola. Simples e preciso: somos ignorantes. Até que ponto isso é de nossa responsabilidade e até que ponto não é um problema estrutural a ser modificado?

    Aí me dizem que interessa aos poderosos que sejamos ignorantes para sermos "massa de manobra". Grande massa sem opinião é muito mais fácil de ser conduzida, né? "Bovinamente" seguimos, rs. (Adorei essa expressão).

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Respeito e educação em primeiro lugar.
Feito isso, agradeço o comentário.